Viva Isso

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Pro parkour Against Competition.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Race Against Myself


Outro dia estava num momento de depressão e decidi que uma volta pela cidade seria legal. Vesti uma blusa preta, minha calça para a prática de artes marciais e um tênis velho. Levei minha identidade (para não haver problemas) e saí para o mundo.

Era madrugada alta. Um friozinho bom, que me obrigava a alongar mais meu corpo. Terminei os alongamentos, aqueci o corpo com uns saltos e pulei o muro da minha casa - nada de portão. Na primeira corrida, me deparei com um painel de controle de energia da ProLagos, no início da minha rua. Passei pela lateral com um "Monkey Vault" seguido de um rolamento e prossegui rumo à praça onde sempre treino.

No caminho, aquecia o corpo entre uma corrida e uns saltos, tocando paredes com um "Tic-tac" ou tentando pequenas "Wall runs". Meu joelho direito ainda me preocupava. Então, a cada manobra pesada eu decidia parar e dar uma mexida nos joelhos, para ativar a circulação de líquido sinovial - responsável pela lubrificação das articulações. Nesse ponto, sou muito grato pelo Tai-Chi.

Ao chegar no início do bairro, deparei-me com uma passarela. Existem muitas delas em São Pedro, mas, durante o dia, ficaria esquisito ver pessoas saltando ali. Na madrugada, não tinha uma alma viva. Subi pela grade, evitando a passarela e saltei pro lado do corredor. Subi a parte mais alta e passei numa corrida, aproveitando a grande reta. Nada de brincadeiras ali. O lugar é muito alto e eu prefiro zonas de treino mais baixas, próximas à realidade da minha sobrevivência. Uma queda ali seria fatal e eu pensava muito nos meus pais, preocupados com minhas práticas físicas.

Desci pelo outro lado com um "Turn Vault" na grade da passarela na parte mais baixa, e me deixei cair, aterrizando e amortecendo a queda com um rolamento. Nem era tão alto quanto eu pensava - eu estava inspirado aquela noite.

Corri até a praça, onde alonguei mais um pouco e pratiquei alguns fundamentos básicos. Parti para os "vaults", mas ainda me sentia um pouco vazio. Aquela vontade de chorar não passava e eu, ali, sozinho comigo mesmo não dava gosto de treinar. Foi aí que lembrei de um comentário feito por um conhecido meu, a respeito de treino básico: "Pegue um dos fundamentos do Parkour e treine-o em tudo quanto é lugar. Quando você realmente esgotar suas possibilidades naquele fundamento, passe para o seguinte e, então, quando você tiver terminado, aí conversamos novamente".

Decidi seguir aquela linha de pensamento. Mas naquela praça, chamada "Praça do Arruda", em São Pedro da Aldeia, não havia possibilidades (ao meu ver, naquele momento) de um treino mais básico. Segui, portanto, para a praça Bela Vista, em outro bairro. Decidi, enquanto corria para lá, que o fundamento inicial seria a Precisão - um trabalho de equilíbrio que eu sempre notei deficiência e, na minha arrogância adormecida, jamais optei por treinar.

Ao chegar na praça, novamente: alonguei e aqueci, para evitar uma estafa do meu corpo devido ao frio que fazia. Já soltava fumaça pela boca e meus braços tremiam. Treinar nessas condições com a roupa que eu estava é perigoso, podia acarretar em uma pneumonia ou meus ligamentos - atrofiados que estavam pelo frio - podiam não aguentar tanto esforço. Por isso a preocupação em alongar e movimentar as articulações e extremidades (principalmente os joelhos).

Decidi começar pelos meio-fios das vias de passeio da praça. Saltar de um meio-fio para o outro não era tarefa tão fácil quanto eu pensava. O salto, em si, era simples - mas manter-se equilibrado após isso era um desafio para quem estava com o psicológico abalado por diversos fatores. Quando sua cabeça não pensa direito, seu eixo psicológico não ajuda a coordenar o corpo. O resultado é que se tenta ir para um lado a fim de equilibrar sua posição, e o corpo vai para o oposto. É uma luta contra você mesmo, contra suas crenças e opções no mundo do Parkour. Aquele troço tão simples pareceu algo abominável.

Após minutos de olhos fechados lutando contra mim mesmo, meus pés finalmente pararam de saracotear. Eu estava inerte, absoluto nos meus pensamentos. Os problemas sumiram, a praça tornou-se uma coisa só e eu podia notar cada ponto do meu corpo equilibrando-se com aquele meio-fio. O objetivo era permanecer nele e eu vencera a primeira etapa.

Passei a medir as possibilidades. Precisava começar com algo simples, baixo e criativo. Lembrei de uma brincadeira que fazia, chamada "Pique-Alto", onde não se podia tocar o chão durante a fuga. Soava interessante. Imaginei que a praça inteira era uma rede de prédios e os meio-fios seriam as muretas dos mesmos. A área da quadra de areia era um prédio maior e o objetivo era saltar dele para as muretas menores. Cair do meio-fio era assumir a derrota (e a morte, se fosse uma cena real).

Comecei a caminhar e saltar de um meio-fio para o outro. Andei bastante, usava os braços e pernas para manter o equilíbrio e me apoiava nas muretas pelas pontas dos pés. Tudo era dificuldade - como não pensara nesse treinamento antes? Algo tão simples e complexo ao mesmo tempo merecia atenção e eu, na minha condição de achar que sabia tudo, jamais presenciara uma abertura de ideias tão grandes. Após cinco anos, eu finalmente havia começado a praticar o Parkour. Me senti livre, renovado pela experiência. A praça nunca foi tão grande. Eu era uma criança descobrindo novos brinquedos.

A preocupação sumiu, a tristeza foi embora e eu voltei pra casa após três horas ininterruptas naquela praça, somando cinco horas de práticas físicas. Não, eu não estava cansado - estava realizado física e psicologicamente. Meu medo de alturas foi embora. Minha cabeça estava mais leve. Eu tinha um novo mundo a percorrer e precisava compartilhar dele com meus amigos.

Motoca foi o primeiro a saber. Kinésis, o segundo...

3 comentários:

Roberto Siciliano disse...

Eu li todo o texto me imaginando em seu lugar, imaginando o grupo em seu lugar, e através dele tive acesso a momentos guardados em mim cujo meu cérebro até então não permitia acessar.
Pela primeira vez eu pude imaginar o que realmente é Parkour.Agora eu entendo o que realmente ele é, não basta praticá-lo, e sim sentí-lo.

Diogo Rodrigues disse...

Gostaram do desenho? tirando o fundo, é 100% photoshop (incluindo minha caricatura)!

Atípicapaternidade disse...

Olhando bem agora... é a sua cara. e a sua careca.